domingo, 3 de maio de 2015

JAVAÉ - Conto * Antonio Cabral Filho - Rj

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JAVAÉ * ANTONIO CABRAL FILHO - RJ

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Minha história começa pelo nome: Antonio.
Por ser filho de ambiente natural, onde os nomes são transparentes e
todos sabem seus significados, a palavra Antonio me causava
estranheza, por não saber o seu significado.
Passei a infância brincando com Coaraci, Jaci, Peri, cunhatans e
curumins da minha taba, nomes tirados por meu povo da sua relação com
a natureza onde vivia.
Mas a minha gente aceitava que um estranho chegasse e se juntasse a
nós, se casasse com uma cunhan da tribo e até que chegasse ao posto de
Ubirajara. Isso levou ao surgimento de nomes como o meu, Antonio; além
de outros como Maria, Ana, Francisco, Tereza etc, todos ligados a uma
religião baseada numa cruz e num homem branco que chamam de Jesus
Cristo, e, aos domingos, íamos à igreja deles.
Meu pai era um homem branco. Ele raptara minha mãe e a levara para um
cafezal, onde eu nasci. Depois, viemos morar com a família dela na
aldeia.
Até hoje eu não sei o que nos fez viajar no meio da noite, cruzando
rios a nado, florestas e montanhas no maior silêncio que eu já vi, sem
cortar arbustos nem cipós para abrir caminho ou fazer pousada sequer à
noite. Sei somente que minha mãe seguia na frente, comigo escanchado
ora nas costelas ora nas costas e, quando ela parava com o dedo
indicador sobre os lábios, era sinal de que havia perigo. Por diversas
vezes passamos ervas no corpo, para não atrais a sanha dos animais com
o cheiro do sangue humano.
Mas com o tempo eu fui percebendo algumas curiosidades sobre a palavra
Antonio: Nome de um santo que promove o casamento, uma espécie de deus
dos casais. Descobri depois que o seu dia é treze de junho, época de
festa junina, quando se faz quadrilha com todos fantasiados de
agricultor para comemorar as colheitas. Dessa época, eu preferia as
batatas assadas na fogueira, o milho cozido, os doces, as broas etc.
Pude notar que se tratava de santo festeiro, partidário da fartura e
certa liberdade de gula.
De surpresa em surpresa, caí sobre um dicionário de nomes próprios,
onde encontrei a surpreendente explicação sobre Antonio: Aquele que
não se vende, incorruptível, puro de espírito, que protege os pobres e
as crianças.
Depois de refletir sobre tudo que levantei a respeito do meu nome,
calei-me mais ainda sobre minhas desconfianças e rejeição a esses
nomes ligados a esse tal de Jesus e jamais revelei por que sempre me
apresentei pelo apelido de Javaé.
Certa vez meu pai deu-me a tarefa de capinar o matagal ao redor da
nossa oca, casa segundo ele, e ao terminar e amontoá-lo para queimar
depois de seco, foi-me entregue uma nota de dinheiro, para eu comprar
balas no domingo, após a missa dos cristãos. Então, lembrei-me do meu
nome, Antonio, incorruptível, que não se vende, lá do dicionário, e
perguntei ao meu pai se ele estava me comprando, me corrompendo, por
eu ter realizado uma coisa boa para todos nós, , como a segurança de
não haver nenhuma boiúna tocaiando nossos pintinhos, minha mãe deixou
claro que não gostou por ter lhe tirado o único local aonde pôr a
roupa para quarar e minhas amigas de brincadeiras chiaram por ficarmos
sem a relva onde estender as esteiras para tomarmos sol deitados.
Vendo meu embaraço, ante as três insatisfeitas, meu pai chamou-me e
disse ao pé do ouvido:
- Compra tudo de bala e dá duas para cada uma que elas esquecem logo-logo!
- Como o senhor é corrupto! Exclamei, mas não tive outra saída.
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